Uma doida e uma santa entram num bar: sobre as crônicas de Martha Medeiros

agosto 23, 2020

 


Em um comentário uma vez sobre o blog, falaram que meus textos lembravam um pouco as crônicas da Martha Medeiros. A minha alegria foi instantânea, me senti lisonjeada com essa comparação inesperada. Então resolvi começar a analisar mais e tirar minhas conclusões sobre isso.
De fato, achei que temos alguma semelhança (to me achando, né) especialmente em relação aos assuntos que gostamos de falar.
Escrevemos sobre pequenas coisas, sobre o tédio, sobre aquela frase que vimos em algum lugar, sobre o banal e o quase despercebido. Mas esse texto não é para falar de nós duas (afinal, já tenho um pedacinho de mim em cada texto desse blog), aqui vou falar sobre a admirável Martha, o que aprendi e o que ainda tenho a aprender com ela.
Li o livro de crônicas Doidas e Santas e fiquei fascinada em ver como a autora transforma qualquer placa, música, frase aleatória e tudo que há em volta em prosa. É realmente incrível vê-la viver. Pois a crônica é isso, ela retrata a vida e o cotidiano do autor em todas as suas banalidades.
E, ao ler as crônicas de alguém, me sinto mais próxima do autor. Então, nesse texto quase metalinguísticos de uma cronista falando de crônica, trago minhas percepções sobre a escritora em questão.
Martha me parece ser uma pessoa que não se rende à mesmice. Ela cai no tédio e na melancolia da improdutividade algumas vezes, mas o mais importante é que ela se permite.
Está aí a lição que, para mim, é a mais importante a ser transmitida em Doidas e Santas: se permitir. Permitir ficar triste, empolgado, jogar coisas fora, curtir um dia de preguiça e tudo mais que você sentir vontade.
Enquanto acordamos e pensamos em tudo que temos que fazer, sujeitos a frustração de não conseguir realizar as metas diárias, ela tem a coragem de dizer que em tal dia acordou triste e sem coragem de fazer nada. Ela fala isso em A Tristeza Permitira, uma das minhas crônicas favoritas do livro. Ao contrário de tantos que tentam fugir da tristeza, Martha fala que prefere encarar esse fantasma de frente, e aqui ela ressalta que não fala de depressão ou de maiores complicações que possam te afetar, mas daquele dia cinzento e desanimado que, por incrível que pareça, é também gostoso de se viver.
Mas, além desses momentos corajosos de auto permissão, ela é capaz de partilhar também momentos da vida em que faltou coragem, ou certo controle. Em O cartão ela conta sobre a uma aventura amorosa da adolescência que não foi para frente por, vejam só, falta de autoestima.
Ao mesmo tempo em que a Martha fala sobre se permitir, ela também retrata esse medo. Não por acaso é o título Doidas e Santas. Todo mundo é doido com leve toque de santidade (porque alguém santa mesmo nem existe), de receio.
Isso é o que nos faz ter coragem, mas pesar consequências antes de agir.
Claro que em alguns textos eu me opus ao que ela escreveu. Discordei de frases, parágrafos e até crônicas inteiras. É direito do leitor. Como a Gabriella de 2020 não iria discordar da Martha de 2005 a 2008? Além do mais, a obra tem dezenas de crônicas, seria muito improvável gostar de todas. Vocês, por exemplo, podem muito bem não gostar de algum texto meu (nem eu gosto de todos os meus textos).
O que me encanta nos textos que apreciei é como Martha tem uma visão poética das coisas, mesmo que o intuito dela seja ser direta, realista e não muito romântica.
Ao longo de Doidas e Santas, vemos algumas crônicas que tratam de relacionamentos e de separação. Ela trata do amor de uma forma irônica que faz as paixões parecerem verdadeiras piadas.
Trata das relações e rompimentos com um tom divertido. Legal se você encerrar uma etapa antes que comece a se desgastar, mas tudo bem se após o rompimento você quiser mandar a pessoa para o raio que o parta (não iremos xingar nesse blog, ok?). Quem nunca, né?
O que não podemos fazer é nos prender. Seja numa relação em que não encontramos a liberdade para seguir unidos (pois a liberdade nada tem a ver com separação, pode até ter, mas vai muito além disso), seja nos nossos próprios medos.
Para citar ela mesma: “todas as mulheres estão dispostas a abrir uma janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota”.
E para abrir uma janela e mudar o curso das coisas para se encontrar você, de fato, tem que ser muito doida.

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