Conto alguns eventos da minha vida como se estivesse em um show de stand-up. Em especial, e quase exclusivamente, eventos que me causaram alguma dor ou mágoa.
Recentemente fui contar um causo para dois amigos. A gente estava comendo cachorro-quente e rindo das merdas da vida. Achei um momento propício para contar uma pequena loucurinha que fiz (e me arrependo). Lembro que bati palmas, sorri e falei “momento do alívio cômico”. Devem ter sido uns 10 minutos incessantes de risos e engasgos, gritaria pura. E mais outros 10 de “eu sinto muito que você tenha passado por isso”.“Vocês não precisam sentir muito por isso, nem eu sinto tanto assim”, foi o que pensei. Na verdade, talvez eu sinta, mas me desacostumei a digerir sentimentos e encarar os eventos da minha própria vida com a seriedade que eles por vezes precisam ter.
Toda história tem um personagem alívio cômico. Ou pelo menos deveria ter, para não tornar as coisas insustentáveis. Eu acredito seriamente que me vejo como o alívio cômico da minha própria vida. E da história de outras pessoas também. Talvez eu seja a personificação de uma conversa de bar (isso, na verdade, parece ótimo).
Provavelmente é por isso que faço terapia como quem conversa na calçada e faço relatos de momentos difíceis como quem conta uma fofoca. Lembro de já ter dito “não e você não sabe do pior” de forma risível para um psiquiatra. Ele entrou na onda (e possivelmente anotou no meu prontuário).
Uma das minhas séries favoritas é uma animação da Netflix sobre um cavalo todo fodido que se afundou na bebida por não conseguir mais papéis após a carreira bem sucedida de astro da TV nos anos 90. Chama Bojack Horseman, você já deve ter ouvido falar. Lembro que parei nos primeiros capítulos pois achei sem graça. Afinal, é isso que eu esperava de uma animação com um cavalo beberrão. Depois voltei porque descobri que não era pra ser engraçado, era pra fazer refletir mesmo. Que loucura, um cavalo de calça e barriga de chopp.
Lembro que me questionava porque fazer aquilo com desenhos de animais se a história parecia tão séria. Mas, depois de um tempo, concluí que ela precisava daquilo, de desenhos bobinhos um pouco de eventos fantasiosos e mais uma pitada de caricatice. Caso contrário, a história ficaria insustentável. E acho que nunca parei de ver as coisas sob a ótica do caricato. É intragável existir e ser feliz sem uma fuga fantasiosa.
Talvez eu tenha um probleminha em sair da fantasia às vezes. Talvez eu tenha sérios problemas em me encarar com seriedade. E muito provavelmente eu deveria parar de me encarar como parte do núcleo de comédia e lembrar que eu sou a protagonista, até porque essas duas coisas podem coexistir.
Mas ser o personagem principal parece muita pressão, porque são as escolhas dele que tem a capacidade de transformar tudo, o rumo da história nunca muda por conta do personagem engraçado. É muito mais fácil pensar que tudo vai ficar exatamente como estava depois que a garrafa secar e o bar fechar as portas.