Fuxico interrompido
outubro 11, 2022
O ônibus levemente vazio (levando-se em consideração que cheio é quando pessoas se espremem em pé no corredor). Entra um homem com voz de bêbado, passo pouco firme e entusiasmo mal visto pelo restante dos passageiros.
Ninguém dá bola.
Senta-se ao lado de um moço. O escolhido é alguém com nada de extraordinário, apenas um homem com um lugar vazio ao lado dele.
- Às 19h30 tem jogo do Vasco. - fala.
O ônibus faz silêncio. Na verdade todos sabem que quem faz silêncio são as pessoas, mas elas pouco importam, são meros componentes de um sistema maior: a instituição ônibus levemente vazio.
Depois das tentativas de instigar os passageiros com um jogo que ninguém parece se importar, ele faz um último apelo: vamos todos orar (mentalmente) pelo time. Ninguém se manifesta. Certeza que a maioria achou a ideia ridícula, mas faria o mesmo até sóbrio.
O ônibus está um pouco mais cheio. Ninguém se manifesta, mas a maioria ouve, se interessa e julga internamente. Os devaneios passam pelo futebol, filhos, uma quase revelação do endereço do homem, pousadas de Brasília, uso de preservativos e pole dance.
- Eu passei 14 anos casado, mas minha cunhada acabou com a minha vida.
O que será que ela fez? Ninguém sabe, ninguém pergunta, mas todos querem saber um pouco mais. Mas ele muda de assunto.
Está bêbado, não doido.
O ônibus chega.
Todos perdem a fofoca por não querer se aproximar do homem que desabafava no ônibus de estranhos calados.
O único com coragem de romper o silêncio.
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