Abram os caminhos: Mc Tha e a experiência inovadora do álbum Rito de Passá

julho 26, 2020


Capa do álbum Rito de Passá



Conheci Mc Tha no final do ano passado. Fui ouvir AmarElo, o último álbum do rapper Emicida (que, aliás é um dos melhores CDs de 2019 na minha opinião, quem sabe ainda escrevo sobre ele), e me encantei com uma voz suave que até então nunca tinha ouvido. A música era A ordem natural das coisas, de Emicida e Mc Tha. Me lembro de me perguntar como eu não tinha conhecido essa cantora antes.

Pouco tempo depois, a música Rito de Passá virou uma das mais ouvidas do meu 2019, mesmo que já fosse o final desse ano. Essa canção tinha (e tem) o poder de me deixar mais alegre, dançante, contente com o mundo ao meu redor. É uma música que traz renovação, coragem e gratidão como seu refrão que diz “Cantar e dançar pra saudar / O tempo que virá / Que foi que está”. Uma ode ao tempo e às transformações que vem com ele.

Os ritmos e batidas, tudo no álbum Rito de Passá é uma experiência inovadora. Não sabia ao certo que estilo era aquele no princípio, porque, na verdade, não é uma coisa só. Mas Mc Tha sabe, e como sabe, cada batida daquelas canções traz um pedacinho dela e isso que é o mais fascinante de álbum.

Thaís da Silva, 26 anos, é de Tiradentes - São Paulo e cresceu muito conectada com a música brasileira no geral, creio que isso foi fundamental na percepção musical que a cantora tem hoje. O início de sua carreira foi aos 15 anos quando começou a cantar funk ao lado de amigos. Na época o funk ainda era predominantemente masculino.

O CD Rito de Passá é um marco pelo encontro de Mc Tha com sua espiritualidade. No álbum, a cantora une o funk com elementos da umbanda, sua religião.

E aqui acho que seria injusto com todos dizer que essa é uma união totalmente nova, afinal, o funk brasileiro tem sim em sua história toques especiais das batidas dos terreiros. E Thaís buscou retomar essas raízes em seu trabalho unindo o estilo musical e sua espiritualidade, que dizem um pouco de quem ela é.

Essa união se dá logo na capa, onde Thaís representa a orixá Iansã, forte, independente, imprevisível e ávida pelo saber, que tem como cor simbólica o vermelho. O véu, a saia de renda, o boné aba reta e o óculos juliet, tudo isso junto e misturado dá um efeito divertido, inusitado, o que também está presente no álbum. Assim como Iansã percorre lugares em busca de saberes, Mc Tha, vai atrás do melhor que cada gênero musical pode trazer às suas composições.

Abram os caminhos, a intro do álbum, inicia como um canto de fé, pedindo licença aos Deuses para começar os trabalhos e segue (com uma transição perfeita) para Rito de passá.

As músicas que se seguem brincam com os sentidos, falam de paixão, calor, do toque e da dança, mistura batidas animadas, sensualidade e descontração. Como Coração Vagabundo (faixa 3) que “samba na ponta” do pé e traz batidas que me remetem ao axé.

Essa construção das sensações é intensificada também pela capa de cada faixa no YouTube com a presença de cores quentes como vermelho e amarelo. Em Clima quente, Mc Tha também faz referências à dança no trecho “se aqui na pista ta demais imagina sem roupa e sem tua paz” e carrega mais ainda na sensualidade.

Na música Onda, com participação de Jaloo e Felipe Cordeiro, também há uma dança para “eternizar nossos dois corpos a se conhecer”. Na capa, depois do calor intenso vem os “refrescos” com Jaloo dando um banho (literalmente) em Thaís. É impossível ficar parado com a batida tão gostosa dessa música.

E de uma Onda, Mc Tha para um Oceano. Da capa ela agora aparece ainda molhada, mas dessa vez sozinha e em meio a uma poça de água, as cores quentes dão espaço para tons de azul.

A faixa Oceano então se apresenta como um divisor de águas (isso não foi um trocadilho, ok?) na temática. Essa música, a mais calma do álbum, fala de solidão, de flutuar no vazio. A partir de então o álbum se torna mais introspectivo. Agora é Thaís da Silva se reencontrando e, como já disse em entrevistas, dando conselhos que ela mesma gostaria de ouvir.

Em Despedida, a cores quentes retornam às faixas e Mc Tha fala sobre amor e sobre prioridades: “vou me despedir você / de tudo que a gente podíamos ser / e assim me despeço de mim / de uma parte de mim que prefere você”. Trechos dessa mesma canção estão presentes em Último Recado, de seu amigo Jaloo. Depois de tanto vagar sendo que não tinha nada ali (vejam a letra da canção), ela finalmente põe um final nessa relação e diz que quer ficar pra sempre com Lampião e Maria Bonita (isso não faz sentido ainda, mas calma).

Assim como a cantora se destacou em meio a outros homens no funk, ela traz em nessa canção uma guerreira que esteva também cercada pelo sexo masculino: Maria Bonita. E como recado não à esposa de Lampião, mas a todas as mulheres, ele pede que não fiquemos restritas, que acordemos para o amor e para a guerra, que subvertamos os costumes.

Agora a presença do funk vem com mais força ainda. Em Avisa lá, Thaís comemora sua garra e sucesso. Fora dos padrões, ela mata leões e ainda lança insulto. Na capa, Thaís é uma super heroína. Nesse estilo extrovertido e um pouco debochado, ela encerra com a canção Comigo ninguém pode, onde ela aparece junto com a planta que carrega esse mesmo nome na capa da música.

“Já deu, né Thaís?”, um áudio da mãe da cantora introduz a última música, “eu não falei pra você? Vai na fé que dá certo”. E realmente deu, né, Mc Tha? Você fez um trabalho incrível.

2 comentários

  1. "Me despeço de vc","se cê num tem fé vai com a minha!", pedaços que marcam. e teu textimmm analisando os elementos da musga dela. eu tb n conhecia, apareceu nas sugestoes entao conquistou <3

    ResponderExcluir
  2. Estes teus textos são maravilhosos, são leves, bem explicativos, tão gostosos de ler... Me atentarei mais a essa magnífica sugestão de ouvir músicas desse estilo.

    ResponderExcluir