Equívocos catalogados

abril 24, 2021

 

Bich Tran / Pexels



Peguei o caderninho de anotações que levava comigo para cada canto comecei a anotar meus erros. Não erros pontuais, não o lixo que deixei de botar pra fora e aquele trabalho malfeito que trouxe a reprovação. Mas o que carrego pela vida.

Era um planner improvisado com quadrinhos meios tortos, mesmo que feitos à régua, canetas coloridas e tudo a que tinha direito. Olhei minhas atividades: trabalho na terça, reunião na quarta, outro trabalho na quinta, mais trabalho, mais reunião, e a escrita jogava numa brecha qualquer.

O meu erro maior seria esse?

Talvez sim, talvez a coisa em que mais pequei foi em preencher todas as lacunas da minha vida até não conseguir fazer as coisas que mais gostava no mundo. Ela sentira minha ausência?

Penso no sorriso dela nas tardes de filme. Eu tinha o incrível talento de só escolher filme ruim, mas acabava sendo divertido.

Mas eu tenho muito anos de vida, se for catalogar todos os meus erros da vida eu não conseguiria nem em um caderno inteiro.

O erro da minha vida talvez tenha sido os momentos de fuga. Parecia que toda vez que algo acontecia o meu corpo dizia que era hora de maratonar um desenho até esquecer da própria realidade.

As vezes é bom não ser você pelo menos um pouco. Está aí um erro gritante: eu não queria ser eu!

Não sei como me tornei essa pessoa se nem eu concordo comigo mesma.

Olhei mais para o caderno, coloquei uma música (porque tudo tem que ter trilha sonora) e olhei mais um pouco o planner artesanal.

Ei! Primeiro erro refutado! Li com atenção as páginas em que eu anotava cuidadosamente qualquer compromisso que tinha com ela. Quando nós duas saíamos e eu finamente perdia a noção do tempo e dos compromissos.

Deslizava meus dedos por sua cintura e beijava seu corpo como se ele fosse de fato o centro do universo.

Será que então foi isso? Talvez eu tenha colocado alguém como centro do meu universo, e onde eu fiquei nessa história? Não, não foi, muito pelo contrário. Sou egocêntrica ao ponto de querer que as pessoas ao meu redor sejam mecanismos de satisfação e felicidades momentâneas.

E eu penso se foi pela risada dela durante uma conversa que eu achei que aquele momento seria minha vida inteira.

Olho meu caderno e vejo que algumas atividades anotadas nem sequer foram executadas. Mas eu anotei tudo, porque eu amo anotar tudo que pretendo fazer, mesmo que não o faça. Amo anotar porque ali me sinto no controle da situação. Eu imagino que posso fazer tudo e controlo inteiramente a minha vida, mas prefiro não olhar depois que os dias passaram, pois simboliza meu fracasso e descontrole.

E se for esse então o erro? Querer controlar tudo. Mas se for isso, terei que então deixar esse vício de lado e parar de tentar catalogar sozinha as coisas que ferem outros.

Largo o caderno, pego o celular, as ideias todas se emaranhando dentro da minha mente. No teclado, digito objetivamente “qual é o meu pior erro?” e envio para ela. Aguardo ansiosamente como quem espera um professor lançar a tão aguardada nota no fim do semestre, até que ela me responde:

- Seu pior erro é pensar demais.

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