Vivo na cidade suicida

junho 05, 2021

 

Crédito: Reprodução capa / Edmo Campos





Suicídio é o abandono da cidade.


Suicídio é o abandono do próprio corpo por vontade própria.


Proponho o movimento contrário: ressuscitar. Ressuscitar é ocupar novamente o próprio corpo por vontade própria.


Proponho a ocupação de Teresina. Proponho a ocupação de nós mesmos.


Proponho a ocupação dos espaços físicos, econômicos,


[sociais e culturais abandonados. Proponho a ocupação dos indivíduos abandonados.


Com arte.


Ressuscito na cidade suicida.





Ia dizer que Alex Sampaio inicia a obra “Ressuscito na Cidade Suicida” despretensiosamente, mas isso seria cinismo da minha parte. Ele é, sim, cheio de pretensões. Tudo, desde o título até a orelha do livro, grita o querer do autor.

Ele quer que ocupemos a cidade. Que ocupemos Teresina.

Não qualquer ocupar. Não se trata das ruas do centro lotadas de pessoas que vêm e vão desconfiadas agarradas às bolsas. Ou aos aglomerados em bares com máscaras no queixo.

Falo de ocupar de corpo e alma. Ocupar com arte. Ocupar com vida. Com o extraordinário.

Foi engraçado ler essa obra estando em Teresina. Já falei várias vezes que essa cidade nunca vai ser minha e nunca serei dela. É sempre estranho estar aqui. Uma cidade em que as pessoas acham curioso e tentam imitar o meu sotaque mesmo pertencendo ao mesmo estado. Sou turista aqui, não importa quantas vezes venha ou o quanto demore.

Entendo ainda quando Alex fala que a cidade mata a sua arte, a sua história, seus rios. Vindo do semiárido piauiense, me parece altamente absurdo que a parte do estado que tem água não aproveite suas belezas.

No entanto, o ar da cidade suicida me dá uma vontade insaciável de VIVER. Quando li o livro, me deu vontade de sair caminhando e correndo pelas ruas. Não precisava de um destino, não precisava de nada. Apenas as luzes da cidade me bastavam.

Caro Alex, seu livro me deixou atordoada. Obrigada por trazer suas angústias, momentos de fragilidade, sua força, sua entrega aos escritos e, acima de tudo, sua vontade de viver e ocupar.

Minha ocupação dessa cidade se limita aos Uberes, 99s, shoppings e locais próximos de casa. Claro, desconsiderarando a pandemia.

Mas, dessa vez, senti que a ocupei mais. Não no sentido físico, mas ocupei com poesia. Poesias não expostas, não escritas, apenas sentidas.

Se levo poesia a um lugar, ele se torna um pouquinho mais meu.

De certa forma, sinto que consegui cumprir com a promessa que fiz incoscientemente ao autor: a de viver.

Vivo. Vivo aqui com olhos de turista. Ocupo às vezes sem sair de casa. Vejo e faço arte nessa e para essa cidade.

A cidade suicida me dá incrível vontade de viver. É isso que faço, ou tento fazer, a todo momento. Inclusive agora.

1 comentários

  1. interessante te ler dizendo que nunca se sentiu dela (de teresina), e eu que sou de lá (daí?) sempre me senti muito pouco pertencente. uma cidade tão suicida que foi preciso fugir dela pra viver. mas talvez a saída que eu nunca pude ver poderia ter sido essa, a de (se) fazer vida nos espaços da cidade.

    ResponderExcluir