Não vejo a hora de isso virar Nada
maio 15, 2022
Estava sentada na mesa ao lado enquanto falavam sobre biografias – Que fique claro que eu não estava curiando a conversa alheia, ok?
Enfim. Umas das pessoas falava sobre querer viver até os 100 ANOS e, nessa idade, lançar uma autobiografia. Eu quase falo que viver até uns 70 já está bom pra mim, nem sei o que eu faria em todo esse tempo, mas fiquei quietinha. Foi aí que essa mesma pessoa (espero que ela não veja esse blog pois vai que ela se sente exposta) disse algo tipo: “hoje tem gente que lança biografia com 19/20 anos. O que essa pessoa viveu nessa idade? Nada”.
E eu, com meus 20 anos, concordei automática e silenciosamente com essa afirmação. Não sei necessariamente porque eu concordei tão rápido, não tenho embasamento para justificar isso a não ser pelo senso comum: “ele é mais velho, ele já passou pela fase que eu estou, então sabe do que está falando”.
Óbvio que esse “nada” é apenas uma hipérbole. Porém, pegando aquela famosa frase de que “na verdade o nada é uma palavra esperando tradução” – olha, pai, citei Engenheiros do Havaí, tá orgulhoso? – vou fazer a tradução não literal do que entendi sobre essa palavra nesse contexto.
Para mim, esse “viver nada”, quer dizer que, em algum momento, suas dores do passado viram um borrão. Então, você só vai poder bater no peito e dizer “eu vivi muito”, quando você conseguir pegar todos os borrões que colecionou durante os anos e ver sua própria vida de fora.
Acho que eu não ajudei muito nem a vocês e nem a mim porque, pensando por esse lado, viver muito parece ser uma questão menos de idade e mais de autoconhecimento. Mas essas duas coisas devem estar interligadas, ou pelo menos eu espero que sim, pois não vejo a hora de tudo isso virar nada. Um borrão, e só.
Acho que vivi pouco, já ainda não consegui me distanciar o suficiente do meu próprio passado. Quanto mais dias passam, mais eu penso que não sei nada da vida. Mas às vezes também acho que vivi tanto que conseguiria escrever uma trilogia agora mesmo sobre minhas próprias vivências. E eu conseguiria mesmo, mas eu falo demais, então deve ser por isso.
Mas uma coisa não se encaixa. Se nós, jovens de 20 e poucos anos, não vivemos nada, por que parecemos tão desgastados?
Algumas vezes durante uma sessão de terapia, após passar incontáveis minutos contando uma história, eu falo: “é, acho que já vivi muita coisa para uma menina de 20 anos”. A psicóloga concorda comigo e, por algum motivo, eu me sinto mais tranquila com essa concordância.
Acho que, de alguma forma, preciso que o meu cansaço seja validado.
E essa fase da vida é de uma bipolaridade insana, que fica entre o “eu preciso construir algo na minha vida” e o “foda-se, eu só tenho 20 anos, eu não preciso me cobrar tanto”. Então sim, acho que não tem sentido em se publicar essa tal biografia pelo simples fato de que é impossível se concentrar para isso estando no olho do furacão.
Mas, se for assim, alguém pode me dizer em que momento todas essas confusões vão parecer irrelevantes? Com que idade? Em que circunstâncias? E, se tudo vai virar irrelevante com o passar do tempo, é por que os problemas futuros serão maiores?
Eu obviamente não sei do que estou falando, então me deem um desconto. Às vezes, quando me deparo com falas como as que citei no início, me sinto brava, injustiçada e quero gritar “quem é você para julgar o que eu vivi?”. Outras vezes, fico mais tranquila porque penso que talvez os problemas sejam menores e um dia eu vou rir de tudo isso. E, outras vezes, penso ainda que algumas coisas estão sendo vividas antes do tempo, tipo “sou muito novo para estar passando por isso”, por isso não sabemos lidar, é um desvio no ciclo natural das coisas. Opinem, por favor, não quero ficar criando paranoias sozinhas.
Nada contra pensar que o tempo cura tudo, às vezes até eu penso, mas tento evitar. Acho que ele é poderoso, mas não tanto. Delegar tudo isso ao tempo me parece arriscado, pois dá a falsa impressão de que podemos ficar inertes vendo tudo acontecer. E é exatamente isso que todos nós buscamos: maneiras de aproveitar a nossa inércia. É um dos prazeres da vida.
Não sei como concluir esse texto, porque acho que tudo isso que falei é extremamente relativo. Viver muito é relativo. Talvez esteja cansada porque vivi intensamente alguns momentos curtos demais para o tanto de emoções e coisas que me invadiram. Talvez tenhamos que alternar entre momentos de intensidade e alguns momentos de descanso e viver muito seja chegar a tão plena consciência disso que as preocupações amenizam e você entende perfeitamente que aquele momento vai passar. Isso me parece muito bom, na verdade, espero chegar a esse ponto.
Mas seja lá qual for o parâmetro, os critérios ou a resposta desse monte de baboseira que acabei de dizer aqui, acho que todo mundo tem uma história legal para compartilhar. Qual é a sua?
2 comentários
Ótimo texto 👏
ResponderExcluirTudo que tenho pra falar é que a vida é relativa.
Particularmente sou do time que grita "quem é vc pra julgar oq eu vivi", porém concordo com a parte de que o tempo cura tudo, não creio que ele seja capaz. Acredito que nós nós curamos com o tempo.
Mas tb lembre-se que eu não faço ideia do que estou falando, ok? Kkkk tenho 22 anos e acho que já vivi muita coisa pra alguém da minha idade. Mas eu não diria que conseguiria escrever minha biografia, talvez no máximo um livro grosso, triste e com pequenas vitórias.
Vou concordar com a pessoa de cima que disse que o tempo é relativo, mas ao contrário esse tempo mesmo relativo nem sempre cura tudo. Não é a passagem de tempo que tem esse poder, mas a nossa postura diante do fato ocorrido. Concordo contigo sobre delegar tamanha responsabilidade ao tempo. E mesmo provavelmente uns 10 anos mais velha que você rsrs também acho que 100 anos é bastante tempo. Constantemente não temos mesmo ideia do que estamos falando, uns apenas fingem mais propriedade do que outros. Adorei seu texto ;)
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