O dia em que eu saí de casa

junho 07, 2020






Como esse blog é feito por um “projeto de jornalista”, creio que não haveria outro tema mais adequado e pessoal para inaugurá-lo do que a história de como começou esse sonho. Ou seja, quando baguncei minha vida indo para outra cidade fazer o que eu sempre quis.

A mudança de ambiente em si é algo complexo. Do ensino médio para a faculdade, por mais que o tempo entre o fim de um e início de outro tenha sido de poucos meses, a mudança de ares é algo que deixa qualquer estudante perdido. Imagina só para quem vai mudar de cidade, estado, país?

Faz pouco mais de um ano da minha mudança. Fui de São Raimundo Nonato – Piauí para o Distrito Federal, uma viagem de cerca de 1400 quilômetros.

O processo de “encaixe” em um lugar novo é o mais difícil. Você não se sente à vontade de cara. Tudo no lugar parece não te pertencer, ou você mesmo não pertence ao lugar. Desfaz as malas, arruma as coisas do seu jeito. Esse é um dos primeiros passos para se identificar com o cenário, mas, apesar de ser importante, essa organização não adianta muito no início.

Tudo te lembra a cidade onde morava e, por vezes, você mesmo acaba fazendo as coisas de modo a se lembrar do local onde vivia. Nas primeiras semanas eu olhava pessoas nas ruas da cidade nova e jurava ter visto moradores de onde eu vivia.

Até mesmo a forma como a cidade é organizada parece absurdo simplesmente por não a conhecer ainda. E aqui falando de forma pessoal, creio que o fato de ter me mudado para Brasília me deixou ainda mais confusa. Para quem era acostumada com ruas e bairros, chegar em um lugar de quadras, conjuntos, onde a maioria dos endereços são dados por números fez com que eu pensasse que não iria entender nunca tudo aquilo. Não que hoje eu seja uma expert em Distrito Federal, mas descobri que nem os brasilienses entendem esse lugar, então ta tudo bem.

Um fator que ajuda nessa adaptação é saber que estamos perseguindo nossos sonhos, por isso mesmo a graduação é uma mistura de euforia e preocupação. Ok, finalmente estamos estudando escolhemos, mas e se não gostarmos? E se não corresponder às nossas expectativas? Se não for o que esperávamos? E se depois resolvermos mudar de curso? Isso pesou muito para mim pelo fato de ir contra o que as outras pessoas “sonhavam para minha vida”.

Curiosidade: pouco antes do Enem houve uma reunião para conversar sobre meu futuro e eu não fui convidada.

O fato de fazer aquilo que gosta e escolheu é energizante. Criar vínculos com a universidade, com o curso, com projetos acadêmicos e pessoais e, principalmente, fazer laços com pessoas, torna o processo de adaptação mais gostoso.

No fim do ano, vim passar as férias na casa dos meus pais* (guardem essa informação) e a estadia em outra cidade parecia me fazer ver tudo com outros olhos. A lógica começa a inverter. Via lugares em São Raimundo e comparava com os de Brasília. Até o meu delírio de enxergar pessoas diferentes inverteu. Eu olhava as ruas da minha cidade e via pessoas que conhecia do DF.

E então começa a ocorrer o processo que mais assusta e que é, ao mesmo tempo, o mais libertador de quem mora fora. Quando sua casa passa a ser a “casa dos seus pais”. Isso acontece de maneira lenta, creio que pode demorar anos para se concretizar (isso, é claro, considerando que você tem vínculos emocionais com o lugar em que nasceu). Você olha o lar em que costumava viver não se sente mais tão à vontade quando se sentia antes. Percebe problemas que você não costumava se importar. Estranha a arrumação. O fato é que, depois que você se acostuma com a independência que a solidão da vida adulta traz, é meio esquisito ter alguém de novo querendo tomar conta de você.

Gostaria de ressaltar que essa não é uma crítica às pessoas que resolvem seguir carreira no lugar onde nasceram, muito pelo contrário. Como mulher nordestina, sempre tive profunda admiração pelas pessoas que se mantêm firmes na escolha de continuar na região Nordeste. Eu gostaria de ter feito o mesmo e já me culpei algumas vezes por isso. Demorou certo tempo para que eu entendesse nossas escolhas nos levam a lugares diferentes (e entendam isso também como uma crítica que quero deixar à falta e má distribuição das oportunidades, mas sem me aprofundar no assunto).

Isso tudo não quer dizer que você não ame sua cidade, sua casa, seus pais... Simplesmente significa que você está em crescente mudança, se adaptando a viver de outra forma. De todo modo, minha cidade vai ser sempre o lugar que mais amo no mundo, só não é o lugar que escolhi para viver minha vida.

Apesar dos pesares, é legal descobrir e se reinventar em outro ambiente. Os laços que criamos com as pessoas não serão da mesma forma com o passar do tempo, admito, mas serão sempre boas memórias.

11 comentários

  1. Ai que texto lindo!!! Muito orgulhosa de você 🥰❤️

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  2. Que lindo, Gabi! Mt gostosinho te ler!🥰

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  3. É muito real essa culpa de buscar o futuro em outra cidade. Como morador da Ceilândia, eu ainda volto pra casa pra dormir, mas tem o sentimento de "estou abandonando, estou traindo minha favela" rondando na cabeça.

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  4. Eu >amei< o texto! Muito bom poder ver – com os olhos de uma brasiliense– a visão que pessoas de fora têm.

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  5. Eu sinceramente acho que nunca vou me sentir tão em casa como me sinto aqui, mas o "sabor" da independência é realmente inesquecível

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  6. É 'perfeição' que fala, né? Ahh, que mulher incrível! Você soube representar muito daquilo que nós passamos ao vim tentar a realização de um sonho em outro estado, as confusões e dificuldades. Estaremos sempre nos apoiando e torcendo pelo sucesso de tantos que se esforçam e deixaram para trás tantos anos de história vivida em seus lares e cidades para trilhar novos caminhos.
    Parabéns! Você começou perfeita.

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  7. CARLOS EDUARDO CAMPOS20 de junho de 2020 às 13:14

    Tem um olho na minha lágrima

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