A Guerra dos Três Mundos

junho 06, 2021

 



Há quase um ano eu estava iniciando o meu blog e comecei com o que mais me afligia no momento: a procura por um lar.

Agora, tempos depois, me pediram para me contar o que mudou do início para cá. Pois bem, mudou muita coisa. Muita coisa mesmo. O cabelo (esse é de praxe), algumas dezenas de inseguranças, umas poucas opiniões, a forma que escrevo (apesar de que essa mudança é mais discreta e gradual). Mudou também a forma com a qual me relaciono com as pessoas ao meu redor, mas não vou entrar em detalhes. A minha visão perante o outro mudou, assim como a visão dos outros mudou em relação a mim.

Mas sinto dizer que a primeira angústia, a saída de casa, a procura por um lugar no mundo, ainda não cessou. É isso mesmo. Eu ainda não sei qual é o meu lar.

Escrevo esse texto enquanto passo um tempo no meio norte do estado, na capital, no lugar onde me sinto quase sempre uma turista quando saio.

O "não sei" para o Uber quando me pergunta qual a melhor rota confirma: eu serei sempre uma visitante, não importa quantas vezes venha e quanto tempo passe. Apesar disso, lido com sensações que só sinto aqui. O nome da cidade me evoca sentimentos quase instantâneos, o que mostra que esse não é um lugar qualquer.

Quando iniciei o blog, eu era uma jovem quarentenada lidando com o voltar para a casa dos pais depois de um ano tentando me adaptar a uma nova cidade. Pois bem, não sei se isso é positivo ou negativo, mas depois de explorar novos lugares, mesmo depois de mais de um ano de pandemia em que estou em São Raimundo Nonato, minha cidade natal nunca mais foi a mesma para mim.

Lembro que a minha relação com minha cidade natal mudou com a minha iminente partida. Como moradora de uma cidade pequena que queria fazer um curso superior, sabia que, em algum momento, eu teria que partir para onde as oportunidades estavam. Nos últimos anos, eu tentava aproveitar tudo o máximo que pudesse tentando fortalecer meus vínculos ao passo em que buscava me fortalecer para não ser tão dependente deles.

O que faz um lar ter sentido são os vínculos.

Isso tem a ver, claro, com o novo lugar que tento construir como meu. Brasília é onde sinto a liberdade correr pelas minhas veias. Estar em um lugar quase que totalmente desconhecido, ao contrário do esperava, me deu muita paz. Saber que eu poderia selecionar o que deixar para trás e o que carregar comigo. Saber que eu poderia construir minhas relações de maneiras diferentes.

No entanto, acho que não preciso dizer que a liberdade e o recomeço trazem consigo a solidão. Só consegui me sentir completa (ou quase) naquela cidade quando percebi que, ao voltar de férias, haveria pessoas que eu sentiria falta e que também sentiriam minha falta. Até então, de nada adiantava a imensidão daquela cidade se eu não tivesse companhia.

Senti que tudo ia se encaixar enquanto caminhava de casa até a faculdade enquanto via o amanhecer brasiliense. Se me perguntassem onde eu morava, qual era o meu endereço, diria sem pestanejar a minha quadra e bloco.

Aí veio o março que mudou tudo. Aulas suspensas, casos começando, suposta quarentena de 15 dias e fui obrigada a me retirar antes que as divisas fossem fechadas. Desde então, passei a entrar em uma crise toda vez que ia preencher algo que precisasse do meu endereço.

Nem sei se o meu futuro está, de fato, em Brasília. Talvez, assim como fiz enquanto estava em São Raimundo, eu possa correr para onde achar que vai ser melhor para mim.

Pode ser que no futuro a Guerra dos Três Mundos vire a Guerra de mais mundos. Isso costumava me deixar em pânico. Na verdade ainda me deixa, mas não da mesma maneira. Sempre falo que, se tivesse que escolher qualquer poder, seria o teletransporte. Gostaria de estar em todos os lugares que amo sem sentir que falta algo que não tenho ao meu alcance.

Mas, pelo menos, uma coisa mudou a respeito dessa angústia. Antes, pensava que não tinham nenhum lugar. Hoje, estou quase certa de que tenho vários.



Não completamente ou como eu gostaria que fosse. Não pertenço a nenhum lugar e lugar nenhum me pertenço, mas aproveito para viver o melhor do que cada mundo tem a me oferecer.





2 comentários

  1. Lindo texto, Gabi! É sobre isso a vida: plantar sementes em di(versos)ferentes lugares numa eterna busca por pertencimento e, eventualmente, descobrir que... Bom, você tem descoberto.

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